Como eu vi todos os países do mundo (menos um)

Fotos de viagens de José Megre

 

 

Fotos de viagens de José Megre 6

 

 

     

    José Megre foi, seguramente, o maior viajante português dos nossos tempos. De todos os países e territórios, apenas a sua morte, acontecida há um ano, o impediu de ir ao Iraque. Megre não era um turista, era um viajante. O seu objectivo não era chegar ao final, ao lugar tal, era a viagem em si mesma, o caminho para lá chegar que o motivava. Viajou muito mas nunca o fez de uma forma vazia de conteúdo. Informava-se, lia muito antes de partir, levantava questões e depois, no terreno, tentava dar-lhes resposta.
    Conheci José Megre em 1980, poucos meses antes da sua primeira participação no Paris-Dakar e fui o primeiro jornalista a contar as suas aventuras num UMM de 90 cavalos na mais dura prova de todo-o-terreno do mundo. No ano seguinte, como jornalista, passei a acompanhá-lo em algumas viagens. No Dakar, em reportagem para o Record, durante três anos e, depois, em quase todas as expedições que ele organizou. Aprendi a conhecê-lo, a estimá-lo a admirá-lo muito e a zangar-me com ele, coisa que lhe dava um grande gozo e o levava a dizer-me “Lá está o France amuado”.
    Aprendi com ele a conhecer algumas das melhores pistas, aldeias e cidades de África, da Europa, da Ásia e da América. Atravessámos juntos quase todos os desertos do mundo. Nunca fui à Austrália, mas chegou a estar pensado.
    Uma das suas grandes paixões era a descoberta da Portugalidade, conhecer, ver e sentir, os caminhos traçados pelos nossos compatriotas, ao longo da nossa história.
    Acompanhei-o em algumas dessas viagens a África (em que chegámos a cruzar todo o continente até ao Cabo da Boa Esperança), seguindo às vezes as rotas dos escravos ou as rotas do ouro, das costas da Gâmbia até ao interior do Império do Mali; na América do Sul ( com a descoberta das missões portuguesas do século XVII, dos caminhos dos Bandeirantes), do garimpo do ouro e da travessia da Amazónia; na Ásia, com uma viagem entre Paris e Pequim, ou a ida ao Tibete e a descoberta, numa aldeia chinesa perto da fronteira com o Quirguistão, de um fantástico ourives cinzelador cego, que fazia as mais belas obras em ouro apenas pelo tacto. Ou a que me deixa as melhores memórias, quando recriámos na sua parte mais importante embora em sentido inverso, a viagem de um padre jesuíta do início do século XVII (1604), António Tenreiro, entre Lisboa e Goa, sempre por estrada. José Megre era um homem duro, um combatente, condecorado com a Cruz de Guerra em Angola, enquanto alferes Comando, que vi fazer frente, de mãos nuas, a um grupo de guerrilheiros, numa barragem que foi montada aos nossos carros numa pista perdida na fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão, em 1996. Mas José Megre era igualmente um homem sensível e por muitas vezes lhe vi as lágrimas nos olhos, nas visitas às ruínas de Baçaim e de Chaúl, antigas praças portuguesas na costa do Hindustão, na visita a Fattypussycri, a capital do Império Mogul do imperador Akbar, que teve como mulher a portuguesa (de Goa) Mariana, nessa Índia fabulosa do séc. XVI. E as  fortalezas do Mar Roxo, e da Costa do Malabar e a emoção sentida na foz do rio Mekong, na fronteira entre o Camboja e o Vietname, quase sentindo o esforço heróico de Luís Vaz de Camões desesperadamente a lutar contra as águas para salvar o seu original dos Lusíadas.
    Muitas dessas viagens ficaram espalhadas por documentários de televisão, nem sempre bem aproveitados e divulgados, por alguns artigos de jornal e por três livros escritos por José Megre.
    Surge agora a sua derradeira obra, acabada dias antes de morrer. O lançamento póstumo do livro “Como eu vi todos os países do mundo (menos um)” é um é um bonito gesto de homenagem prestado por algumas pessoas que com ele privaram mais de perto, com o seu filho Ricardo Megre à cabeça.
    O grande mestre, “inventor” do todo-o-terreno em Portugal, cultor da portugalidade e querido amigo merece-o.