O "ciclista Zen" possui determinadas características que o tornam único entre os utilizadores da via pública.
1) O "ciclista Zen" não se considera um ciclista. Por acaso.
O "ciclista Zen" não é bem um ciclista. Na verdade, o "ciclista Zen" não deseja ser nada, e muito menos um ciclista. O "ciclista Zen", tanto vai de carro, como de bicicleta, como a pé. É-lhe indiferente.
O meio de transporte que utiliza é o que melhor se adequa ao que quer fazer. E o que normalmente quer fazer é deslocar-se do ponto A ao ponto B no menor intervalo de tempo, com o menor esforço possível, e interferindo o menos possível com o meio envolvente.
Daí que, para o "ciclista Zen", o automóvel ou os transportes públicos sejam apenas utilizados em último recurso, quando a distância é muito grande ou, por uma outra qualquer razão, demore mais tempo do que aquele que é considerado razoável para o "ciclista Zen".
Por uma questão de lógica, para o "ciclista Zen", a maior parte das deslocações dentro de uma cidade são feitas de bicicleta. Por acaso.
2) O "ciclista Zen", quando no trânsito, passa quase sempre despercebido pelos outros utentes da via.
Não interage, por norma, com peões, pois não anda em passeios ou passadeiras assim como o rio não gosta de sair do seu leito. Olha para o resto do trânsito como um fluxo de água, seguindo o seu percurso pelas artérias de uma cidade.
Como uma folha posta a flutuar num riacho, segue o seu caminho adaptando-se à forma do riacho e aos obstáculos que vai necessariamente encontrando. E o caminho do ponto A ao ponto B existe já mesmo antes de iniciar a viagem. E o "ciclista Zen" faz-se água. E folha.
3) O "ciclista Zen" não tem pressa.
O tempo está perfeitamente definido. Os semáforos são algo que existe na contabilização do tempo de viagem, portanto o "ciclista Zen" não precisa de acelerar para passar um amarelo. Pára e espera, certificando-se de que está visível para os outros.
4) O "ciclista Zen" sabe que a visibilidade é muito importante.
Por isso certifica-se que vê e ouve bem e que, principalmente, é visto pelos outros. E coloca-se de forma a não perturbar os automóveis quando estes arrancam furiosos à abertura do sinal verde.
O "ciclista Zen", na verdade, deixa os carros arrancar à vontade e só depois arranca ele, entrando novamente na correnteza do trânsito, fundindo-se lentamente com o trânsito.
5) O "ciclista Zen" tem o caminho já bem definido quando começa a viagem.
Sabe a que distância passa de cada pedra ou buraco ao longo dos quilómetros que faz, quando vai poder passar para a berma ou quando se vai colocar no centro da via.
Sabe as velocidade que são necessárias para fazer cada um dos metros que perfazem a distância de A a B.
6) O "ciclista Zen" é praticamente insensível à velocidade ou distância a que os outros utentes da via passam por ele.
Sabe que isso é algo que o ultrapassa (literalmente) e que nada pode fazer se houver alguém que o queira matar. Quer vá de bicicleta, a pé ou de automóvel.
Mas sabe também que a probabilidade de o quererem matar, especificamente a ele, quer vá de bicicleta, a pé ou de automóvel, é muito baixa, portanto isso não se preocupa com isso.
Sabe que, muito provavelmente, os outros têm medo dele. De lhe bater, de o magoar. Por isso age em conformidade para atenuar esse medo que inspira nos outros.
7) O "ciclista Zen" preocupa-se com muito pouco.
A não ser com o estado da bicicleta, pois, se não o fizer, o objectivo de chegar do ponto A ao ponto B poderá não será conseguido. Assim como com o facto de deixar a bicicleta num sítio seguro de onde não desapareça. Exactamente pelo mesmo motivo.
Por isto tudo, o "ciclista Zen" tem o tempo todo da viagem para pensar. E meditar.
Na realidade, o "ciclista Zen", aos olhos dos outros, não passa de um preguiçoso...
~ adaptado to texto do JA Santos, aqui.